Por vezes olho para trás e sinto uma leve brisa de nostalgia acompanhada de saudade. Saudade de ser criança e de brincar o tempo inteiro. Saudade de viver no mundo da fantasia onde tudo, na minha mente infantil, era passível de ser concretizado. Saudade da adrenalina que sentia ao correr rumo aos arrozais para me esconder da minha melhor amiga. Era o nosso divertimento. Escondia-me dela e durante horas a fio ficava ali, à espera de ser descoberta. Não me esqueço do meu fôlego. Era ofegante!! Baixava-me sobre os meus calcanhares, de forma a que ela não me alcançasse, e concentrava-me no barulho da minha respiração que era tão alto que sentia que todos poderiam facilmente descobrir onde estava. Quanto mais se aproximava de mim, mais “nervosa” eu ficava, até que finalmente me apanhava e eu soltava um grito estridente seguido de uma gargalhada prolongada coberta de felicidade pura e inocente despreocupação.
Na minha memória está presente também a construção da minha própria casa. Tinha à volta de sete anos quando me senti, pela primeira vez, verdadeiramente poderosa e autora do maior feito. Com apenas quatro paus de um tamanho considerável, apanhados no chão quente do Alentejo, e um saco preto do lixo, aberto ao meio para aumentar o tamanho do meu “lar”, executei a minha primeira construção. Lembro-me, como se fosse hoje, da alegria que senti. Não estava preocupada pelo facto de não ter divisões, cama ou televisão. Não estava preocupada com o facto de estar um calor abrasador e a minha brincadeira ser passada debaixo de um plástico preto, onde o calor aumentava a cada inspiração. Nada disso importava. O teto e o meu banco pequenino eram o suficiente para me sentir preenchida com a minha conquista.
Esta inocência e simplicidade foram enriquecidas diariamente pela fantasia e criatividade dos meus sonhos. E ao fazer referência aos “meus sonhos” refiro-me não só à experiência que acontecia na minha mente cada vez que me deitava mas também aos sonhos que tinha acordada e que projetava cumprir logo no dia seguinte.
Em criança, tudo era mágico, tudo era místico, tudo era fascinante e inofensivo. Acreditava nos personagens da Disney porque eles eram sedutores, cativantes, porque cantavam, porque dançavam, porque voavam, porque se sentavam nas nuvens e respiravam debaixo de água. Porque lutavam, enfrentavam e conquistavam tudo aquilo em que acreditavam. E assim cresci e me fui tornando uma criança feliz de forma simples. Simplesmente feliz.
Mais tarde, já com o olhar adulto tudo toma umas proporções diferentes. Tornamo-nos mais sérios, mais céticos, menos simples e aumentamos drasticamente as responsabilidades que este estágio de vida nos traz.
Se em crianças a nossa vida era um filme de domingo à tarde, em adultos o enredo é bem mais complexo e aproxima-se de um filme multi-género, sempre com entrelinhas dramáticas e em que tudo exige demasiada reflexão.
Em que parte do caminho é que perdemos a capacidade de acreditar e de tornar possível? Quando é que deixamos de sonhar e de agarrar as oportunidades com aquilo que temos?
Hoje somos todos eternos insatisfeitos como se isso fosse um requisito para sermos adultos. Perdemos tanto tempo a perguntar-nos o porquê em vez de agarrarmos nas ferramentas que temos e construirmos as nossas oportunidades. Perdemos a visão de quem consegue ver mais além, aquela noção óbvia de que quatro paus e um saco do lixo fazem uma casa, com jardim, com espaço para juntar todos os amigos e, quem sabe, até uma piscina improvisada. Hoje onde antes víamos oportunidades vemos problemas e interrogações. É verdade que temos responsabilidades acrescidas mas essas responsabilidades deveriam tornar-nos capazes de aumentar as nossas capacidades inatas de sermos resilientes, criativos e de lutarmos por concretizar as nossas visões. Crescer deveria tornar-nos mais sábios no aproveitamento tanto dos nossos dons como daquilo que temos à nossa volta. Temos mais experiência, temos mais ferramentas, mais independência, mais história... No entanto isso torna-nos paradoxalmente mais pequeninos.
Dizem que estamos sempre a aprender. Dizem também que as tecnologias democratizaram a sociedade e que as estruturas hierárquicas se alteraram. Vamos aproveitar essa alteração como uma oportunidade de aprender mais com as crianças. Perceber melhor os olhos com que vêem o mundo, a simplicidade dos seus pensamentos, a imaginação com que resolvem os percalços e a resiliência com que passam do choro ao riso em segundos. Talvez esta seja a primeira oportunidade que temos que agarrar para conquistar novamente os dons que deixamos cair algures pelo caminho...
Vamos começar já hoje a fazer diferente?