No outro dia dizia-me uma amiga que uma das coisas que mais a entretinha nos transportes públicos era observar as pessoas que lá estavam. Vi-as no dia-a-dia delas, nas suas reacções e interacções com os outros e com o telemóvel e, às vezes, até ouvia conversas. Depois construía-lhes uma história. Davas-lhes um nome, criava-lhes relações, estados de espírito, estágios de vida e até problemas. Fazia-o por divertimento apenas, sem qualquer conotação de maldade nem julgamento.
Dois dias depois estava deitada na praia a ler um livro e ao meu lado estava um grupo de raparigas a conversar. Acabei por me desconcentrar rápido da minha leitura e dei por mim, tal como a minha amiga, a observa-las. No tempo que passaram na praia eu diria que 90% foi a falarem de outras pessoas. Umas vezes com mais crítica, outras sem qualquer tipo de julgamento.
Estes dois episódios funcionaram para mim como uma alegoria. Estamos constantemente concentrados nas vidas dos outros mesmo nos nossos momentos de pausa. Isto é tão intrínseco que faz com que tenhamos uma melhor capacidade de analise e crítica às vias alheias do que à nossa própria. Tantas vezes olhamos e sabemos, com o julgamento mais assertivo, detalhar o que está errado nos dias, acções e até mesmo decisões daqueles que nos rodeiam. Percebemos exactamente em que ponto devem mudar e o que devem fazer mas, curiosamente, somos incapazes de nos ver a nós mesmos com esse grau de atenção.
Não sei se por questão de sobrevivência ou se por vivermos numa leve tendência para a negação mas a verdade é que olhamos pouco para nós, para quem somos e para o que fazemos. Não sabemos que decisões tomar e questionamo-nos tantas vezes sobre como sair de determinada situação. E quando sabemos não temos empenho nem foco para pôr em prática.
O nosso olhar é tão direcionado para o exterior que acontece criticarmos e apontarmos o dedo a reacções ou atitudes de terceiros que são precisamente as mesmas que nós temos. No entanto é raro apercebermo-nos que as temos precisamente porque não somos suficientemente atentos a nós.
Agosto é o mês do “tempo livre”. O ritmo de trabalho abranda, o país parece estar, no geral, a meio gás e muitas vezes temos aqueles momentos na praia em silêncio. Estas pausas são o tempo ideal não para alimentarmos esta nossa capacidade de olhar à volta mas antes para desenvolvermos uma competência muito mais útil e valiosa: olhar para dentro. Observar quem somos e o que fazemos, repensar para onde estamos a ir e determinar objectivos. Ser atento, analisar e ver com olhos de ver o que necessitamos, o que podemos melhorar e fazer diferente. O silêncio é o parceiro ideal para um pensamento mais intimista. Depois podemos despreocupadamente ir relaxar e rir com os amigos. Reflectir não tem que nos mudar o humor ou estado de espírito. Deve ser como quando vamos correr ou ao ginásio e voltamos para casa orgulhosos, com a sensação de dever cumprido e bem-estar. Porque o principio é precisamente o mesmo.
O desafio para as férias é olhar para nós mesmos. Sermos os nossos críticos construtivos, os nossos motivadores e os nossos próprios treinadores para uma melhor performance.